“Poesia do Paradoxo”
Em março deste ano, a produtora Paranoïd organizou um Hangout pelo Google+ que contou com a presença do músico Criolo e o diretor e designer gráfico Denis Cisma para uma conversa com os fãs a respeito do processo de criação e realização do curta-metragem “Duas de Cinco + Cóccix-ência”. A presença do produtor e editor de som, Ganja Man, não pode ser excluída da construção deste projeto, principalmente porque este artista realizou o importante trabalho de ponte, ao mostrar o trabalho do Criolo para Denis e favorecer o medrar de uma proposta inovadora
“O Grajaú é maior!”
Mediada pelo jornalista Marcus Preto, a conversa abordou o processo dialético entre os discursos destes dois artistas, no processo de construção deste audiovisual, que contou com a participação de jovens atores formados na oficina de teatro – CEU Jaçanã - do bairro Jaçanã, Criolo aponta a maneira como sua poética foi encontrando forma para expressão de um futuro tenebroso que acena sua chegada, se continuarmos a ignorar a desigualdade social e a marginalização das comunidades em São Paulo e no Brasil
Um presságio de ruínas que, como aponta o próprio Criolo, serviu de força motriz para reunir uma coletividade interessada em intervir nas transformações da sociedade através da arte e (re) introduzir o amor e reconhecimento humano. Algo que, na visão do diretor Denis Cisma, se pautou na intenção de instigar a consciência do público por meio de um discurso sensível e, ao mesmo tempo, abjeto. Como podemos perceber no trecho de sua fala: “...eu quero que as pessoas chorem, ou vomitem....”
Aos afirmar que “...cada vez a gente vai esquecendo do humano...”, Criolo procura nos lembrar a forma como temos banalizado a presença da miséria, ao ponto de ignorá-la completamente em nosso cotidiano. Para isso, cita o exemplo da intervenção artística do Projeto Imagem, de coletividade do Grajaú, que consistiu em dispor bonecos que representavam meninos de rua pelas praças de São Paulo. Tal fato chamou a atenção do músico, que percebeu a atenção dada pelos transeuntes à intervenção e sua contradição com a presença dos reais garotos que vagavam pelo espaço. Uma situação que reforça a ausência de sensibilidade que temos desenvolvido na sociedade contemporânea
“...Tá acontecendo um coisa legal na minha quebrada.”
Sempre a dar enorme valor à sua comunidade – Grajaú - e sua família, Criolo aponta este trabalho como uma resposta em agradecimento ao seu meio formador, assim como enaltecer a capacidade artística que este espaço guarda. Neste sentido, é exaltado o valor da participação colaborativa em uma produção artística destinada a trazer mudanças para o meio no qual vivemos
“... o tempo ri da nossa cara...”
Além disso, o autor proporciona uma poderosa consciência histórica sobre si e sobre o homem, ao falar a respeito da efêmera existência humana, com relação ao mundo e ao universo. Algo que, segundo o mesmo, só é capaz de ganhar sentido, quando reforçado o laço afetivo entre as pessoas, sem que estas abandonem a memória de sua formação social
“...como se todos fossemos do mesmo bairro. Um bairro composto por pessoas que estão querendo contribuir... que estão querendo fazer a diferença.”
A partir de então, o autor entra pela controversa questão da “limpeza” feita na “Cracolândia” e explicita que, apesar de esperarmos que mudanças como a transposição dos grupos de dependentes para outras áreas (causando a formação de novas “Cracolandias”) seria algo que levaria décadas para se organizar, em apenas três meses nos vemos tendo que lidar com a formação destes novos lugares ocupados por estes marginalizados da sociedade
“Em cada quebrada, agora, existe uma Cracolândia”
Com referência histórica ao signo que envolve o senhor de engenho, Criolo afirma que não se pode mais esperar a “bondade” desta elite opressora para o desenvolvimento de projetos como este, mas sim tornar possível que sujam mais possibilidades para formulações artísticas como a por ele, e todo o grupo que o acompanhou, realizada
Por sua vez, o diretor torna clara a forma como se desenvolveu o diálogo com os pais da comunidade, sobre a ideia do clipe e, sobre o papel que seria realizado por seus filhos na gravação. Jovens, por sinal, que brilharam com a realização de fabulosa atuação. O grande objetivo, que transcende o interesse capitalista pelo lucro, residiu em valorizar a capacidade do trabalho de cada um dos participantes. Situação que envolveu completa doação por parte de todos os colaboradores, ao ponto alguns deles chegarem a serem demitido de seus trabalhos, em função da participação no curta
...”Eu acredito sim. Mas tem que acontecer logo.”
Um audiovisual gravado em apenas dois dias, Denis fala sobre seu primeiro contato com a comunidade do Grajaú e a forma como, após um choque inicial, você se sente acolhido em meio deste lugar, caracterizado pela alta densidade demográfica. Algo que, nos dias de hoje, já não faz mais parte do cotidiano da classe média paulistana e surpreende pelo envolvimento humano entre todos que ali vivem
“...Eu nunca vi tanta criança brincando na rua.”
Ao entrarem pela questão do desenvolvimento tecnológico na sociedade, Criolo aponta a existência desta “poesia do paradoxo”, no qual a elite busca manter as comunidades resignadas em “vitrines” para seus projetos assistencialistas, enquanto o povo busca por um lugar digno na realidade, assim como por melhores condições de sobrevivência. Por isto, os dois retomam a tentativa do roteiro, em construir o pior cenário possível para daqui a trinta anos, como forma de chocar e forçar uma reflexão sobre o perigo em ignorarmos tal realidade. Com relação a este tipo de problema, Criolo deixa bem claro:
“Cada pais que lide com seu processo de reorganização, equacionando isso, com a arte que produzimos.”
Ao ser questionado sobre a presença da estética cyberpunk na composição do Curta-metragem, Denis deixa clara a presença de uma influência filmográfica (carregada de exemplos como Blade Runner, Mad Max ,Eliseum e outros) mas seu objetivo em representar o cotidiano brasileiro em uma visão futuristas e, junto com Criolo, torna claro que este “querer humano é atemporal...”. Nesta ordem, Criolo deixa claro que a tecnologia deve ser entendida como um instrumento, dando espaço a uma critica velada ao fetichismo da mercadoria
“...Mudam os gadgets, mas os costumes são os mesmos...”
É especialmente interessante o momento em que Denis começa a falar sobre o processo de edição do curta, que teve um desenvolvimento bem fluido e regado à criações de momento. Algo que parecia encaixar perfeitamente com a sincronização entre o som das duas músicas, que ofereciam uma formulação complementar
“As duas músicas conversam entre si... é edição de Deus.”
“As tecnologias vão se multiplicar, o modo do homem querer explorar o outro homem também vai se modificar, mas o querer bem é atemporal. E quando você vê a lição do amor que você encontra de tantas quebradas no Brasil, eu acho que deve ser muito agressivo ‘prum’ cara que
Acha que tem que pegar a favela e tocar fogo.”
Para concluir este texto, podemos perceber que, apesar da gritante contradição entre os diversos “Brasis” dentro do Brasil, ainda podemos encontrar propostas interessadas em apresentar possibilidades de mudanças para as decadentes relações sociais dentro dos centros urbanos do país. Algo que se oferece pela introdução da criação artística como um catalizador do amor na sociedade e da constituição de uma memória entre o publico jovem, de forma a torna-lo apto e interessado em dar continuidade a isso
Um objetivo que encontra força na beleza da associação de pessoas motivadas em transformar a própria realidade , de forma a evitar este presságio apocalíptico que se põe à nossa frente, por meio da construção de uma consciência desprendida do fetichismo consumista que marca o capitalismo desta modernidade líquida. Para tanto, devemos fazer uso de todas ferramentas que nos estão dispostas como espaços para a disseminação de valores fundamentais do homem como o bem querer e o amor
Com isso, deixo aqui minhas impressões a respeito desta conversa e, com todo o respeito que tenho pelos artistas, uma tentativa de levar à frente um debate que incentive este tipo de ação em outros lugares. Utopia, talvez, mas sem este sonho de um mundo dotado de mais amor, creio que as forças de nossa esperança tenderão a definhar e, por esta razão, estou disposto a agir para oferecer tais tipos de mudanças