(Orfeu)
Paro, para ter a mente cintilante
Cativante, enquanto estou ativo espanto
Propenso em gás propano, por panos
Por pensar que consigo voar
Sem bater asas levanto a contar
Um conto mal contado
Coitado, se vives nesta cidade profana
Escondida entre teias e ciclos em meias voltas
E notas que transportas um manuscrito
Transcrito das memórias infinitas que revistas
Semana por semana, a iluminar o teu cântico semântico
E sempre que esperas que cante e te encante, no entanto
O manto do som não te atrai e vais, cais
Perdido no meio das cinzas dos banais mortais
Tentas ileso, mas a saída ilude
Diluí a juventude, mas só acabas preso
Se sucumbires ao peso da insanidade
Pára, tenta estar atento
(um profeta)
Paro, tento estar atento e analiso o que me rodeia
Ateio, acendo, incendeio a sina sinistra de quem me
Encandeia a visão, semeio ideias e digo não
À ficção de ditadura que me dita a dura lição de vida
A desilusão devida à ilusão da canção sirena
Que serena a intenção de sair da escuridão
E seguir a luz de Atena, dou rumo à Odisseia
E sinto a areia da arena
Porque acarto neste corpo o karma do cravo morto
Enceno o combate nesta arte, com ar de louco
Farto à parte do bate-boca, faço pouco
Da gente demente que consente ser oca
Conhecimento doutra era herética, mente poética
Estética bélica, quimera helênica
Prometeu que prometeu a chama profética, mas eu já não sei
(singular)
Já não sei se esta vida vale a pena pesada
Que a justiça me entrega de mão beijada
Por Judas cortada, por negas internas
Entorno lágrimas raras, revejo mágoas
Que encaderno em tábulas rasas
Desisto de novos inícios, farto dos velhos indícios
Fictícios que levam a melhor e me levam ao pior de mim
Pobre sintoma, bebe um gin, toma tinto e fode o sistema
Projecta o problema no ócio, sócio encena o ódio óbvio
E ascende ao pódio do ópio que aumenta o amor próprio
Vozes dizem por favor cospe-o, remorsos vingam-se
E na dor encosto a cabeça e espero que a indiferença me esqueça
A incerteza se decida se é vencida pela fraqueza
Entretida na subtileza de uma orgia alegórica
Alegria ilógica elogia-me e foge dela
(Xtinto)
Estamos em Agosto, e já lá vai o suposto
O dito veredicto que era teu
E eu não sei se fico, não sei se parto
Este sítio não é meu, vou embarcar neste barco
Tal como Bartolomeu Dias
Dias a fio, a fundo, a viver noutro mundo que não é meu
Sou mais um vagabundo que nunca viu deus
É hipnose, essa simbiose, pura metafísica
Sinopse, sinto que posso fazer nesta dura lírica
Aventura satírica, tortura vampírica
Sugo sangue da caneta até ficar sem tinta
Sujo páginas em branco com o cuspo de cada rima
Deixo lágrimas no pano tecido pela minha sina
Tem da minha vida, bem-vindo à minha doutrina
Estou a dissecar o midas em cada toque nas feridas
Esta merda é ancestral, estou a virar alquimista
Pela pedra filosofal, meu fado belicista
(Lobo)
Estou na crista desta sonoplastia
Na expectativa de a ver rebentar algum dia
Divago na fantasia de uma carta que escrevo
Um vago e vasto epílogo aberto pelo tempo
Tempo, vês que vou vivendo a vida
Vendo a vinda de uma doutrina que visa
Vendar-me a vista, findar a magia
Sinfonia que emerge de vozes em sintonia
Poderia voar, mas aqui estou no meu quarto passo
Neste quarto a passar tempo, passatempo onde enquadro frases
Em quatro fases de um compasso lento
Atento no esboço apagado onde esbato o passado
Enquadro num quadro pintado que guardo no lado direito do cérebro
Torto feito num oito, este conceito quebro
Sim, assim vejo-me a ser rei de mim mesmo
Enfim, almejo um fim digno, assim seja
(Dez)
Ando às voltas num tornado, copo d'água entornado
Derramado pelo que me tenho tornado
Pano de mesa ensopado pelo vinho da vinha
Não convinha ter gostado, mas a alma adora, agora tenho estado
Num estado embriagado, afogado nas memórias do passado
Sozinho, antes só vinho do que mal acompanhado
Tenho chamado por alguém sem cabeça dura e oca
Não nado na cultura com touca
A voz vai tão alto que a dado altura fica rouca
União faz a força, mas com falsos faz a forca
Por isso que sa foda, prefiro estar só
Só até virar pó p'ro nariz de um profeta
A espera que ele disseque a minha mente
Sigo sempre em linha recta, o sol é a meta
Não tenham dó do poeta demente
Cinematografia na caligrafia, sente a janela indiscreta da mente
(Fella)
Por cada um de vós eu sinto
Só oiço a vossa voz, de cruz ao peito, no recinto
Ando faminto, pela verdade mas só me minto
Sou o criador do labirinto
Afogo tudo no tinto, sem um tostão
Em mortalhas e vícios, os benefícios deste cabrão
Só para esquecer a saudade, da irmandade e união
Só espero partir primeiro que o meu irmão
Mas se um dia eu for, se eu for eu vou
Ser todos os concelhos do meu avô
Julgo o presente pelo que sou
Por cada memória que o meu corpo guardou
Por cada história que o povo contou
O vento muda a trajetória porque o tempo abafou
Um bafo, num filtro, que o diabo enrolou
O pão é rijo mas não foi ele que o amassou