Não há dúvida de que 2014 foi um ano excepcional para o movimento hip-hop no Brasil. Nomes como Emicida e Flora Matos tiveram faixas ["Levanta e Anda" e "Pretin"] incluídas na trilha sonora da novela Malhação da Rede Globo, levando o movimento ao mainstream. A "grande mídia" reconheceu o trabalho de músicos e artistas, publicando entrevistas, noticiando shows e resenhas de discos. Na moda, o estilo "street" dominou os looks urbanos e marcas cresceram através das vendas online.
Em São Paulo, houve uma pequena concessão por parte do governo e o grafite, finalmente, parece ter ganhado um pouco de reconhecimento. A cidade terá umas das maiores galerias de grafite a céu aberto da América Latina. O anuncio do mural, que ficará na Avenida 23 de maio, foi feito pelo prefeito Fernando Haddad em novembro. O projeto reunirá mais de 200 artistas na produção de 15 mil metros quadrados de murais com a arte de rua. Esse é um só um pequeno passo perto de tudo que deve ser feito, mas a cidade ganhará mais cor e arte para cobrir o cinza melancólico.
Festivais como o - gratuito - SP RAP, que reuniu mais de 15 mil pessoas, 20 atrações na Praça da Artes e foi idealizado pela Boia Fria Produções, e o Ubuntu, organizado pelo Laboratório Fantasma, foram sucesso de público e crítica. Além disso, o hip-hop voltou à Virada Cultura de São Paulo, tendo um palco dedicado ao estilo e sendo sacramentado como um dos elementos mais representativos do evento. As vitórias forma muitas, contudo, nada ultrapassa o ano recheado de bons lançamentos e grandes parcerias.
Por isso, o blog Cultura de Rua, espaço dedicado ao hip-hop dentro do site da revista Rolling Stone Brasil, reuniu as 15 maiores canções de rap que chegaram aos ouvidos do público em 2014. Veja a lista abaixo:
“Cartão de Visita” - Criolo e Tulipa Ruiz
A parceria entre Criolo e a cantora Tulipa Ruiz é o grande destaque de 2014. A voz potente da cantora se mistura aos riffs rasgados da guitarra que permeia toda a faixa. Em “Cartão de Visita”, o mote gira em torno do dinheiro: MC Lon, expoente do funk ostentação, e Thassia Naves, blogueira de moda teen, são citados na letra como jovens que souberam aproveitar a veia consumista da geração deles, enquanto o refrão retrata um garoto pedindo dinheiro no farol.
As citações, contudo, não param por aí. No meio da canção, Criolo, com voz empostada, solta a seguinte frase: "A alma flutua/ Leite a criança quer beber/ Lázaro, alguém nos ajude a entender", referindo-se a uma entrevista dada por ele ao apresentador Lázaro Ramos e que virou motivo de piada na internet por conta do discurso pouco claro de Criolo.
“A Praça” - Racionais MC’s
Na canção, o grupo faz um relato sobre a confusão que aconteceu durante um show deles na Virada Cultura em 2007. A música começa com diversos registros de jornais televisivos noticiando o incidente – incluindo vozes conhecidas de nomes como William Bonner e Glória Maria – e termina com uma declaração oficial do então prefeito da cidade de São Paulo, Gilberto Kassab. Na letra, Edi Rock narra a repressão e a violência da polícia.
A “batalha” foi a responsável por tirar os artistas de rap da programação do evento, que acontece anualmente na cidade de São Paulo, por seis (intermináveis) anos. A situação só foi revertida em 2013, quando os Racionais voltaram a se apresentar na Virada Cultural, com um show que reuniu cerca de 100 mil pessoas e foi marcado pela paz. Em 2014, a volta do RZO e um palco dedicado exclusivamente ao hip-hop sacramentaram o gênero como um dos elementos mais representativos do evento.
“Mente Aê" - Lurdez da Luz
Beat moderno, flow irrepreensível e rimas fortes. A velha e boa rivalidade das mulheres do rap (e na vida) é posta de forma sincera e despojada em Mente Aê, canção do álbum Gana pelo Bang, lançado por Lurdez em 2014. A faixa é um bom exemplo de como as mulheres cresceram dentro do hip-hop e não ficam (nem um pouco) atrás dos homens quando o quesito é qualidade.
Gana pelo Bang faz uma viagem profunda pelas percussões de matriz africana e pela música eletrônica. As canções e tendências vindas de periferias de países como Índia, Angola, Inglaterra, Nigéria e África do Sul, além da música pop brasileira e norte-americana, são o pano de fundo. “Mama Drama”, por exemplo, usa um sample obscuro do Olodum, enquanto “Gana” abusa das batidas do estilo conhecido como trap music, um dos descendentes do dubstep. Com produção de Leo Justi e Leo Grijó, do duo Stereodubs, o disco é feito para as pistas de dança e solidifica o trabalho de Lurdez da Luz, que está de volta com a voz ainda mais potente, boas rimas e muito balanço.
“Trindade Pt 2” - Rodrigo Ogi
A crônica cotidiana de Ogi narra uma noite insana pela noite de São Paulo. A canção faz parte de uma trilogia, que estará no disco Rá! - com previsão de chegar às ruas em 2015. No melhor estilo "Me Perdi na Madrugada", a faixa tem produção de Vinicius Nave. Os beats fogem do lugar comum e tão o tom “lisérgico” que a letra pede, enquanto Ogi assume múltiplos personagens com diferentes vozes. O clipe, uma animação sensacional com direção de Alois Di Leo, também é destaque.
“Terra” – Black Alien
A faixa estará no segundo álbum solo dele, Babylon by Gus vol. 2 - No Princípio Era o Verbo, com previsão de chegar às ruas no primeiro semestre de 2015. Produzida por Alexandre Basa, a inspiração para “Terra” surgiu quando Black Alien ouviu uma música do rapper norte-americano NAS sobre a "Mãe Natureza".
Na canção, o rapper faz um alerta para fatores que espalham o caos por aqui como, por exemplo, “a manipulação indiscriminada de uranio, que atrapalha o equilíbrio do cosmos”. Após um hiato de quase dez anos, o retorno (em grande nível) de Gustavo Black Alien marcou o rap em 2014.
“Coisas de Brasil” - Rincon SapiênciaA faixa, segundo single do EP SP Gueto BR, divulgado em maio de 2014, foi produzida pelo próprio rapper e conta com a participação da cantora paulistana Denna Hill. Com pegada samba-rock e beat potente, a canção descreve as belezas naturais do Brasil e exalta a cultura popular enquanto faz um contraponto com a violência e a ineficiência do governo em fornecer saúde, educação e moradia ao povo.
“O Mundo em Mim” e “Se Encontrar” - A.X.L
Após dois anos de hiato, o rapper paulista lançou a dobradinha “O Mundo em Mim” e “Se Encontrar”, que retratam os dois anos que separam o último lançamento do rapper. A faixa é uma parceria com os produtores The Munir e Skeeter. O tom épico, que tem influência no som da banda de rock 30 Seconds to Mars, é o ponto alto do trabalho. A instrumentação faz com que a letra desperte no ouvinte sensações como dor, ansiedade, alegria e excitação, sendo um caminho para desenvolver uma sinestesia cinematográfica.
"Quebrando Correntes" - Boca Seca
Lá de Goiana vem o grande destaque no rap nacional produzido no cerrado: o grupo Boca Seca. Com Fabones, Peregrino, Boikot, Slot e Duel, a banda despertou atenção com o single “Quebrando as Correntes”, que narra o drama dos viciados em crack que moram nas ruas da capital de Goiás. O grave, herança da trap music que tem influenciado muitos artistas do rap, é presença constante no som.
"Versos Vegetarianos" - Inquérito
Com a participação de Arnaldo Antunes, a música é um ataque ao sangue exposto nos noticiários e relembra a falta de informação em programas ‘enlatados’. Na primeira parte, o rapper canta que só vai parar quando a educação virar ostentação e abusa dos trocadilhos, como Cervantes e conservantes e usa poesias de amigos da literatura marginal como Victor Rodrigues citando Ni Brisant. O refrão fica por conta do ex-Titã Arnaldo Antunes.
"Anti-Herói" – Nego EA faixa, que tem participação de Max B.O. e Curumin, é uma verdadeira mistura de música brasileira e rimas – usando elementos do maracatu e do samba para compor uma identidade nacional especifica. O "Anti-Herói", citado na letra, tem contas a pagar, família pra criar e é um cidadão comum na luta diária.
“Melo da Amônia” – De Leve
Com o lançamento do excelente EP Estalactite, o rapper carioca De Leve voltou ao mundo da música em 2014. O grande destaque do trabalho, contudo, fica por conta de “Melo da Amônia”, uma ode ao “prensado” de baixa qualidade. “Tudo que eu quero é um apertado / Pra fumar na minha insônia / Ter dele sobrando sem parcimônia / Se desse onda eu plantava begônia”, canta Ramon Moreno de Freitas e Silva. Vale também ouvir a versão “Amônia Dub”, faixa bônus do EP.
“Irmãos de Tinta” - Jamés Ventura
O rolê dos artistas da “cidade cinza” é cantado em tom grave por Ventura. Com produção de Scott Beats, a letra usa várias gírias e conclama: “essa é para você do rabisco, que corre riscos”. O clipe que acompanha a faixa é de autoria do GRAFITISMO, coletivo audiovisual dirigido por Gonçalo Gavino, que tem como objetivo principal registrar e documentar processos artísticos e o cotidiano da rua. O mais genuíno rap que ecoa das ruas de São Paulo.
“Memórias” – Elo da Corrente
Com participação de Danilo Caymmi, a faixa “Memórias” é uma bela balada, com letra consistente e instrumentação bem produzida. A canção faz parte do disco CRUZ, lançado no finalzinho de 2014.
“Tombei” - Karol Konká
A canção da rapper curitibana em parceria com o duo Tropkillaz, formado pelos produtores Zegon e Gui Laudz, é uma verdadeira pedrada musical. “Tombei” é uma prévia do novo trabalho da cantora, que deve chegar às ruas no primeiro semestre de 2015. Feita para as pistas de dança, a canção mistura trap music e uma melodia grudenta – fórmula certeira de grandes hits.
“A Fantástica Fábrica de Cadáver” – Eduardo
Letra forte, batida crua e flow matador. O ex-Facção Central, que deixou o grupo em 2013 para seguir carreira solo, lançou no ano passado o disco duplo A Fantástica Fábrica de Cadáver, em que fala sobre violência policial, racismo e miséria. O destaque fica por conta da faixa título, que mostra que o rap não precisa de batidas mirabolantes e produções em estúdio internacionais para ser relevante e fazer a mensagem chegar.